segunda-feira, 5 de agosto de 2019



A Microbiota vaginal e sua relação com a saúde reprodutiva e ginecológica para a construção de um ecossistema vaginal saudável





A microbiota vaginal (MBV) tem um papel importante na prevenção da colonização por organismos patogênicos, incluindo agentes infecciosos do trato urinário e causadores de infecções sexualmente transmissíveis (IST), e atua na manutenção da saúde reprodutiva e ginecológica da mulher (MARTIN, 2012).
A alteração da microbiota vaginal é afetada por fatores internos e externos, incluindo mudanças hormonais (estrogênio), menstruação, microbiota intestinal (pela proximidade do reto), uso de produtos de higiene íntima, interação sexual e uso de contraceptivos (REID, 2018). Dentre estes fatores, os hormonais representam uma forte influência na MBV, fazendo com que ocorram diferenças nessa microbiota em mulheres em pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa (BROTMAN et al, 2014).
            Por essa razão, merece especial atenção a influência do hormônio estrogênio, que contribui para a maturação do epitélio vaginal através da deposição de glicogênio. O glicogênio é metabolizado pela comunidade bacteriana endógena presente nesta microbiota, para produzir ácidos orgânicos, principalmente ácido lático, que protege o trato genital (MARTIN, 2012).
            Estudos mostram que a maior dificuldade no estudo da microbiota vaginal é a técnica empregada, pois 90 % das espécies microbianas principais que compõem a MBV, não são cultiváveis em laboratório (AMANN, LUDWIG & SCHLEIFER, 1995), e essa identificação só pode ser realizada empregando técnicas moleculares, que incluem Sequenciamento Sanger da região 16S rRNA de colônias bacterianas, T-RFLP, qPCR e Sequenciamento de terceira geração (NGS) (PETROVA et al, 2015).
            A classificação mais aceita da composição da microbiota vaginal, agrupa os micro-organismos principais encontrados em cinco categorias referidas como Community State Types (CST), que estão distribuídas em: CST I (dominada por Lactobacillus crispatus), CST II (por Lactobacillus gasseri), CST III (por Lactobacillus iners), CST IV-A (possui proporções menores de Lactobacillus spp. e altas proporções de micro-organismos anaeróbios, pertencente ao gênero Anaerococcus, Peptoniphilus, Prevotella e Steptococcus; e espécies que podem estar associadas a infecções como Gardnerella vaginalis ou Mobiluncus spp.), CST IV-B (reduzida quantidade de Lactobacillus spp. e proporções elevadas de Atopobium vaginae, Megasphaera sp., Clostridiales e BVAB2 -Bacterial Vaginosis–Associated Bacteria – BVAB, entre outras espécies que causam vaginose bacteriana) (RAVEL et al, 2011; GAJER et al., 2012; BROTMAN et al., 2014; MITRA et al., 2016.).
Embora existam alguns outros micro-organismos presentes na microbiota vaginal como, por exemplo, bactérias anaeróbias, os micro-organismos predominantes são os Lactobacillus spp., pelo menos em cerca de 70 % das mulheres. Dentre estes micro-organismos podemos destacar Lactobacillus crispatus L. gasseri, L. iners e L. jensenii, que aparecem com maior predomínio, entretanto por vezes surgem também L. salivarius e L. vaginalis. Além destes, ainda podemos destacar os Lactobacillus provenientes do trato gastrointestinal como o Lactobacillus rhamnosus, L. casei e L. plantarum, uma vez que o intestino funciona como reservatório desses micro-organismos, que acabam por acessar o trato genital inferior através da região perianal adjacente (CASTRO et al, 2015; GONÇALVES et al, 2016).

A espécie Lactobacillus crispatus representa aproximadamente 40 % de todos as espécies de Lactobacillus da MBV saudável encontrada em mulheres de diversas nacionalidades (XU et al, 2018), e a sua colonização vaginal guarda uma estreita relação como o reto, onde esta espécie é encontrada em abundância nos indivíduos saudáveis (El AILA et al., 2009). Como é um grande produtor de ácido lático, é capaz de inibir a produção do indutor de metaloproteinase da matriz extracelular (MEMPRIN), que por sua vez induz a secreção de metaloproteinase da matriz 8 (MMP-8). O aumento de MMP-8 torna a barreira vaginal mais propensa a infecções genitais e também está ligada ao nascimento prematuro, o que sugere que o ácido lático é um fator importante na proteção contra o parto prematuro e contra a vaginoses bacterianas (BV) (PETROVA et al, 2015).
 Além disso, L. crispatus também pode apresentar efeitos benéficos via imunomodulação, inibindo Candida albicans in vitro, através da expressão de receptores Toll-like (TLR) 2/4, Interleucina 8 (IL-8) e beta-defensina humana 2 e 3, e pela ação do ácido lático produzido. Em conjunto, estes estudos sugerem claramente que a prevalência de L. crispatus na MBV é um indicador de um ecossistema microbiano vaginal saudável, reduzindo também o crescimento de bactérias com E. coli, e consequentemente o risco de BV (PETROVA et al, 2015).
Apesar de todos estes benefícios, a predominância absoluta de L. crispatus na MBV com cerca de 97,5 % pode ser encontrada na Vaginose Citolítica (VC) e necessita de um tratamento específico que reduza essa grande acidez produzida, neste caso com poucos benefícios (XU et al, 2018).
Já a redução do número de Lactobacillus spp. que compõem a microbiota vaginal normal favorece o crescimento das bactérias anaeróbias, levando a uma condição de disbiose vaginal. Esse supercrescimento bacteriano é decorrente da redução na produção de ácido lático pela ausência dos Lactobacillus, e esse quadro de disbiose favorece a infecção por outros patógenos com aumento do risco de infecção por HIV, HPV, Trichomonas vaginalis (MITRA et al, 2016), Gardnerella vaginalis (PETROVA et al, 2015), e outras vaginoses bacterianas (ANDERSON et al, 2004), vaginites aeróbicas, cervicites e IST (KIK et al, 2019).
A avaliação da Microbiota Vaginal e as principais bactérias envolvidas nas BV já é uma realidade na prática clínica de muitos profissionais de saúde de Brasília, através do Painel molecular do Euroexame, denominado “Perfil de vaginose e microbioma vaginal”, que avalia quantitativamente Lactobacillus crispatus, L. gasseri, L. iners, L. jensenii, Atopobium vaginae, Gardnerella vaginalis, BVAB2 (Clostridiales) e Megasphaera tipo 1, além da classificação Community State Types (CST), e permite ao clínico confirmar a presença de vaginoses e/ou vaginites quando associado ao “Painel Molecular de Candida”, ou descartar um diagnóstico, e ainda corrigir ou repor a microbiota vaginal de forma individualizada através do uso de Cápsulas Vaginais (desenvolvidas especialmente pela Farmacotécnica para este exame), que aliadas ao tratamento medicamentoso usual, tem trazido muitos benefícios aos pacientes.