A Microbiota vaginal e sua relação com a saúde reprodutiva e ginecológica para a construção de um ecossistema vaginal saudável
A
microbiota vaginal (MBV) tem um papel importante na prevenção da colonização
por organismos patogênicos, incluindo agentes infecciosos do trato urinário e causadores
de infecções sexualmente transmissíveis (IST), e atua na manutenção da saúde
reprodutiva e ginecológica da mulher (MARTIN, 2012).
A alteração da microbiota vaginal é afetada por fatores
internos e externos, incluindo mudanças hormonais (estrogênio), menstruação,
microbiota intestinal (pela proximidade do reto), uso de produtos de higiene
íntima, interação sexual e uso de contraceptivos (REID, 2018). Dentre estes
fatores, os hormonais representam uma forte influência na MBV, fazendo com que
ocorram diferenças nessa microbiota em mulheres em pré-menopausa, perimenopausa
e pós-menopausa (BROTMAN et al, 2014).
Por essa razão, merece especial
atenção a influência do hormônio estrogênio, que contribui para a maturação do
epitélio vaginal através da deposição de glicogênio. O glicogênio é
metabolizado pela comunidade bacteriana endógena presente nesta microbiota,
para produzir ácidos orgânicos, principalmente ácido lático, que protege o
trato genital (MARTIN, 2012).
Estudos mostram que a maior
dificuldade no estudo da microbiota vaginal é a técnica empregada, pois 90 %
das espécies microbianas principais que compõem a MBV, não são cultiváveis em
laboratório (AMANN, LUDWIG &
SCHLEIFER, 1995), e essa identificação só pode ser
realizada empregando técnicas moleculares, que incluem Sequenciamento Sanger da
região 16S rRNA de colônias bacterianas, T-RFLP, qPCR e Sequenciamento de
terceira geração (NGS) (PETROVA et al, 2015).
A classificação mais aceita da
composição da microbiota vaginal, agrupa os micro-organismos principais
encontrados em cinco categorias referidas como Community State Types (CST), que estão distribuídas em: CST I
(dominada por Lactobacillus crispatus),
CST II (por Lactobacillus gasseri),
CST III (por Lactobacillus iners),
CST IV-A (possui proporções menores de Lactobacillus
spp. e altas proporções de micro-organismos anaeróbios, pertencente ao gênero Anaerococcus, Peptoniphilus, Prevotella e Steptococcus; e espécies que podem
estar associadas a infecções como Gardnerella
vaginalis ou Mobiluncus spp.),
CST IV-B (reduzida quantidade de Lactobacillus
spp. e proporções elevadas de Atopobium vaginae,
Megasphaera sp., Clostridiales e BVAB2 -Bacterial
Vaginosis–Associated Bacteria – BVAB, entre outras espécies que causam
vaginose bacteriana) (RAVEL et al, 2011; GAJER et al., 2012; BROTMAN et al., 2014;
MITRA et al., 2016.).
Embora existam alguns outros micro-organismos presentes na
microbiota vaginal como, por exemplo, bactérias anaeróbias, os micro-organismos
predominantes são os Lactobacillus
spp., pelo menos em cerca de 70 % das mulheres. Dentre estes micro-organismos
podemos destacar Lactobacillus crispatus L. gasseri, L. iners e L.
jensenii, que aparecem com maior predomínio, entretanto por vezes surgem também L.
salivarius e L. vaginalis. Além
destes, ainda podemos destacar os
Lactobacillus provenientes do trato gastrointestinal como o Lactobacillus rhamnosus, L. casei e L. plantarum, uma vez que o intestino
funciona como reservatório desses micro-organismos, que acabam por acessar o
trato genital inferior através da região perianal adjacente (CASTRO et al,
2015; GONÇALVES et al, 2016).
A espécie Lactobacillus
crispatus representa aproximadamente 40 % de todos as espécies de Lactobacillus da MBV saudável encontrada
em mulheres de diversas nacionalidades (XU et al, 2018), e a sua colonização vaginal
guarda uma estreita relação como o reto, onde esta espécie é encontrada em
abundância nos indivíduos saudáveis (El AILA et al., 2009). Como é um grande
produtor de ácido lático, é capaz de inibir a produção do indutor de
metaloproteinase da matriz extracelular (MEMPRIN), que por sua vez induz a secreção
de metaloproteinase da matriz 8 (MMP-8). O aumento de MMP-8 torna a barreira
vaginal mais propensa a infecções genitais e também está ligada ao nascimento
prematuro, o que sugere que o ácido lático é um fator importante na proteção
contra o parto prematuro e contra a vaginoses bacterianas (BV) (PETROVA
et al, 2015).
Além
disso, L. crispatus também pode apresentar
efeitos benéficos via imunomodulação, inibindo Candida albicans in vitro, através da expressão de receptores Toll-like (TLR) 2/4, Interleucina 8
(IL-8) e beta-defensina humana 2 e 3, e pela ação do ácido lático produzido. Em
conjunto, estes estudos sugerem claramente que a prevalência de L. crispatus na MBV é um indicador de um
ecossistema microbiano vaginal saudável, reduzindo também o crescimento de bactérias
com E. coli, e consequentemente o
risco de BV (PETROVA et al, 2015).
Apesar de todos estes benefícios, a predominância absoluta
de L. crispatus na MBV com cerca de
97,5 % pode ser encontrada na Vaginose Citolítica (VC) e necessita de um
tratamento específico que reduza essa grande acidez produzida, neste caso com
poucos benefícios (XU et al, 2018).
Já a redução do número de Lactobacillus spp. que compõem a microbiota vaginal normal favorece
o crescimento das bactérias anaeróbias, levando a uma condição de disbiose
vaginal. Esse supercrescimento bacteriano é decorrente da redução na produção
de ácido lático pela ausência dos Lactobacillus,
e esse quadro de disbiose favorece a infecção por outros patógenos com aumento
do risco de infecção por HIV, HPV, Trichomonas
vaginalis (MITRA et al, 2016), Gardnerella
vaginalis (PETROVA et al, 2015), e outras vaginoses bacterianas (ANDERSON
et al, 2004), vaginites aeróbicas, cervicites e IST (KIK et al, 2019).
A avaliação da Microbiota Vaginal e as
principais bactérias envolvidas nas BV já é uma realidade na prática clínica de
muitos profissionais de saúde de Brasília, através do Painel molecular do Euroexame, denominado “Perfil de
vaginose e microbioma vaginal”, que avalia quantitativamente Lactobacillus crispatus, L. gasseri, L.
iners, L. jensenii, Atopobium vaginae, Gardnerella
vaginalis, BVAB2 (Clostridiales) e Megasphaera tipo 1, além
da classificação Community State Types
(CST), e permite ao clínico confirmar a presença de vaginoses e/ou vaginites
quando associado ao “Painel Molecular de Candida”,
ou descartar um diagnóstico, e ainda corrigir ou repor a microbiota vaginal de
forma individualizada através do uso de Cápsulas Vaginais (desenvolvidas especialmente
pela Farmacotécnica para este exame), que aliadas ao tratamento medicamentoso
usual, tem trazido muitos benefícios aos pacientes.
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