terça-feira, 9 de abril de 2019

Por que as vaginites e vaginoses representam um desafio na prática clínica ginecológica?


A microbiota vaginal (MBV) saudável é composta predominantemente por Lactobacillus spp., que apresenta um papel importante na prevenção da colonização por organismos patogênicos, incluindo agentes infecciosos do trato geniturinário e infecções sexualmente transmissíveis, atuando na manutenção da saúde reprodutiva e ginecológica da mulher.
Para manter este ambiente na MBV, Lactobacillus spp. formam um biofilme diferente, cujo aspecto é mais fino e frouxo que um biofilme patogênico, e esta estrutura é mantida através da produção de substâncias como: ácidos orgânicos (lático e acético, que apresentam propriedades microbicidas), bacteriocinas, biossurfactantes, hidrocarbonetos, peróxido de hidrogênio e moléculas de coagregação, que em conjunto mantem o equilíbrio vaginal. Quando este equilíbrio é interrompido por algum dos fatores conhecidos, tais como: mudanças hormonais (estrogênio), uso de antimicrobianos (antibióticos e antifúngicos), menstruação, microbiota intestinal, uso de produtos de higiene íntima, interação sexual, uso de contraceptivos, entre outros, ocorre a chamada disbiose vaginal, e abre porta para o desenvolvimento das duas condições patogênicas mais prevalentes, as vaginoses e vaginites (candidíase).
            Nas Vaginoses Bacterianas (VB), a redução do biofilme formado pelos Lactobacillus spp. promove a formação de um biofilme bacteriano patogênico. Dentre as bactérias mais comumente encontradas, destaca-se Gardnerella vaginalis presente em cerca de 90 % das mulheres diagnosticadas com VB, considerada a bactéria colonizadora inicial na formação de biofilme, e que desempenha um papel central no estágio inicial de adesão deste micro-organismo às células do epitélio vaginal para formação do arcabouço do biofilme. Uma vez consolidado a existência deste biofilme bacteriano abre a porta para a entrada de diferentes micro-organismos. Este fato pode ser confirmado na literatura, que descreve que G. vaginalis induz uma relação simbiótica com outras bactérias associadas a VB, pois não é raro encontrar a presença de G. vaginalis e Atopobium vaginae, co-detectadas nas BV, sugerindo uma cooperação efetiva na formação de um biofilme polimicrobiano.
Esse dueto formado pela redução de Lactobacillus spp. e a formação de biofilme, também é observado na Candidíase Vulvovaginal (CVV), pois como a Candida spp. é comensal na MBV e se mantem em harmonia com o hospedeiro, quando há uma ruptura neste equilíbrio, essa levedura encontra condições ideais para colonizar esse sítio anatômico. Nesta condição patogênica, Candida spp. adquire a capacidade de formar biofilmes, que se inicia a partir da adesão deste fungo às células do epitélio vaginal, completando a chamada fase de adesão do biofilme, em seguida estas leveduras multiplicam-se e fazem agregação na chamada fase de colonização, e posteriormente ocorre a produção de material extracelular e o desenvolvimento de uma matriz de biofilme madura, que passa a dominar a microbiota vaginal. Nesta condição patogênica, Candida spp. representa um importante atributo de virulência, sua capacidade de restringir a penetração de antifúngicos e consequentemente a erradicação/controle deste micro-organismo na microbiota vaginal.
            O biofilme formado nas vaginites e vaginoses representa dois grandes desafios: o primeiro está ligado à resistência aos antifúngicos empregados nos tratamentos usuais, e o segundo ao diagnóstico clínico baseado apenas nos critérios de Amsel e Nugent, pois em algumas destas infecções os sintomas podem ser semelhantes, e também sabemos hoje que Candida spp. é capaz de crescer em um ambiente ácido, gerando mais um fator confundidor. Um diagnóstico laboratorial preciso hoje disponível por técnicas moleculares, e o emprego de tratamentos coadjuvantes que desestruturem os biofilmes patogênicos representam um novo caminho a ser seguido para um sucesso terapêutico.

Leitura recomendada:
Campisciano G., Zanotta N., Petix V., Corich L., De Seta F., Comar M. Vaginal microbiota dysmicrobism and role of biofilm-forming bacteria. Frontiers In Bioscience, n. 10, p. 528-536, 2018.

Gupta P., Sarkar S.,  Das B., Bhattacharjee S., Tribedi P. Biofilm, pathogenesis and prevention - a journey to break the wall: a review. Arch Microbiol, n.198, p. 1–15, 2016.

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