segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Gardnerella vaginalis: um anaeróbio e muitas facetas patogênicas relevantes para infertilidade, aborto e gestação

 


A Vaginite Bacteriana (VB) é a infecção vaginal polimicrobiana mais comum em mulheres em idade reprodutiva, geralmente causada por bactérias anaeróbias, e é a causa de vários sintomas, como: corrimento vaginal homogêneo e fétido, supercrescimento bacteriano e aumento da produção de aminas (putrescinas, cadaverinas e trimetilamina) que contribuem para um pH vaginal mais alto e a presença de clue cells (MACHADO & CERCA, 2015; KALIA, SINGH & KAUR, 2020).

            Entre as espécies microbianas que causam VB, merece papel de destaque a Gardnerella vaginalis, que é a bactéria anaeróbia mais estudada, e também considerada a principal espécie envolvida no desenvolvimento da infecção (MACHADO & CERCA, 2015).

            Além de representar a infecção mais prevalente nas mulheres, a VB tem sido associada a doenças com graves consequências para a saúde pública, incluindo: doença inflamatória pélvica, infecções pós-operatórias, aquisição e transmissão do HIV e outras ISTs, nascimento prematuro, aborto (KUON et al, 2017) ,infecções placentárias e no fluído amniótico (ROBINSON et al 2019), e vários resultados adversos na gravidez (MACHADO & CERCA, 2015).


Considerando a prevalência da VB e a Gardnerella vaginalis com o patógeno mais relevante da infecção, apresentamos a seguir algumas descobertas científicas recentes sobre esta bactéria.

            G. vaginalis é o único anaeróbio que exibe os seguintes fatores de virulência: capacidade de adesão às células epiteliais vaginais, capacidade de produzir biofilmes e atividade citotóxica (citolisinas/formação de poros), além de permitir quando em biofilme a incorporação de outros anaeróbios, o que torna a VB polimicrobiana, e de secretar outros fatores de virulência como as enzimas: fosfolipase, protease e sialidases, além da citolisina mencionada acima (MACHADO & CERCA, 2015; ROBINSON et al 2019).

            A capacidade de adesão às células do epitélio vaginal está associada a produção da enzima sialidade, que promove a degradação do muco, sem promover inflamação histológica evidente, o que causa uma esfoliação epitelial e a formação das chamadas clue cells, que nada mais são do que células epiteliais vaginais, impregnadas de G. vaginalis em sua superfície (KALIA, SINGH & KAUR, 2020).

            Além disso, as sialidases promovem a degradação do muco vaginal tornando sua consistência fluida que é característica na VB, o que contribui para o aumento dos riscos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e ascendentes (ROBINSON et al 2019). Em grávidas infecção uterina ascendente e nascimento pré-termo podem ocorrer com G. vaginalis e outros patógenos potenciais, bem como infecção recorrente do trato urinário causada por Escherichia coli (KALIA, SINGH & KAUR, 2020).

            Considerando que o tampão mucoso ou rolha Schroeder, nada mais é do que muco e estaria sujeito aos efeitos da sialidade produzida pela G. vaginalis, isso poderia explicar em parte, o início do mecanismo fisiopatogênico de nascimento pré-termo, abortamento de repetição (KUON et al, 2017), infertilidade, infecções placentárias e no fluído amniótico (ROBINSON et al 2019), e várias complicações na gravidez e parto (MACHADO & CERCA, 2015).

        Outra ponderação sobre mecanismo fisiopatogênico de que infecções como VB causada por G. vaginalis pode causar abortamento, seria o fato de que toda infecção ativa, secreta citocinas e quimiocinas, que recrutam células do sistema imune inato (macrófagos, células dendríticas e células NK), que amplificam a resposta inflamatória local, rompendo o equilíbrio imunitário, que é essencial para implantação, placentação e transformação dos vasos sanguíneos, que possibilitam o seguimento da gestação (KUON et al, 2017).

            Continuando com os fatores de virulência presentes na G. vaginalis, outra enzima relevante é a citolisina, capaz de produzir a formação de poros nas células do epitélio vaginal, um efeito citotóxico que promove a invasão do tecido, e consequentemente o estabelecimento da infecção (ROBINSON et al 2019).

Uma vez que a bactéria se fixa e invade à mucosa do epitélio vaginal, G. vaginalis inicia seu processo de replicação na mucosa e a formação de um biofilme fino,

que permite a fixação de outras espécies. Esta formação de biofilme aumenta a resistência de G. vaginalis contra bactérias benéficas da microbiota vaginal, os Lactobacillus spp., e aumenta sua resistência à ação antimicrobiana (KALIA, SINGH & KAUR, 2020), principalmente pela matriz produzida pelo biofilme microbiano.

            Em conjunto essas etapas podem explicar o mecanismo patogênico empregado pela G. vaginalis para causar a VB, e mais ainda pode alertar para a necessidade de introduzir na prática clínica ginecológica rotineira a necessidade de investigar a presença, ainda que sugestiva através de um GRAM DE SECREÇÃO VAGINAL, de infecções causadas por Gardnerella vaginalis em pacientes jovens, com problemas de infertilidade, grávidas, pós-menopausadas e em idade reprodutiva, uma vez que parte desta infecções podem ser assintomáticas e não fecham a tríade clássica dos critérios de Amsel, tão corriqueiramente empregados.

            Ressalto ainda, a importância de sempre que possível ampliar o diagnóstico da VB para análises laboratoriais moleculares (PERFIL DE VAGINOSE E MICROBIOMA VAGINAL), considerando sempre a capacidade incorporativa de novas bactérias ao biofilme que a G. vaginalis possui, destacando a necessidade de investigar a presença de bactérias frequentes na VB como Atopobium vaginae, entre outras bactérias anaeróbias, o que pode tornar a infecção de difícil resolutividade quando antimicrobianos são usado indiscriminadamente e sem direcionamento para o perfil de resistência bacteriano presente na infecção, levando em consideração o pouco arsenal terapêutico disponível para tratamento da VB. 


Referências

Kalia N.,  Singh J., Kaur M. Microbiota in vaginal health and pathogenesis of recurrent vulvovaginal infections: a critical review. Ann Clin Microbiol Antimicrob. 2020 Jan 28;19(1):5.  doi: 10.1186/s12941-020-0347-4.

 

Kuon RJ, Togawa R Vomstein K,  Weber M,  Goeggl T,  Strowitzki T,  Markert UR, Zimmermann S,  Daniel V,  Dalpke AH, Toth B. Higher prevalence of colonization with Gardnerella vaginalis and gram-negative anaerobes in patients with recurrent miscarriage and elevated peripheral natural killer cells J Reprod Immunol. 2017 Apr;120:15-19.  doi: 10.1016/j.jri.2017.03.001. Epub 2017 Mar 30.

 

Machado A, Cerca N. Influence of Biofilm Formation by Gardnerella vaginalis and Other Anaerobes on Bacterial Vaginosis J Infect Dis. 2015 Dec 15;212(12):1856-61.  doi: 10.1093/infdis/jiv338. Epub 2015 Jun 16.

 

Robinson LS, Schwebke J,  Lewis WG,  Lewis AL. Identification and characterization of NanH2 and NanH3, enzymes responsible for sialidase activity in the vaginal bacterium Gardnerella vaginalis. J Biol Chem. 2019 Apr 5;294(14):5230-5245.  doi: 10.1074/jbc.RA118.006221. Epub 2019 Feb 5.



domingo, 10 de maio de 2020

Transmissão sexual de SARS-CoV-2: seria possível?


Em tempos de pandemia causada pelo SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2), vírus responsável pela COVID-19, todos nós fazemos questionamentos associados às nossas responsabilidades laborais, principalmente os profissionais de saúde, que acabam por de forma direta e indireta estarem próximos ou mais expostos ao contágio. Na literatura científica publicada durante o ano corrente, são muitas as novas informações, questionamentos, hipóteses e dados clínicos constatados, que juntos somam uma imensa teia de informações cujas verdades produzidas ainda nos trazem muitas inquietações, incertezas e especulações.

            Em respeito aos profissionais que o Euroexame mais se aproximou no último ano, os ginecologistas (Obstetras ou não) e a todos nós cidadãos da saúde ou comuns mortais, trazemos uma breve reflexão sobre as vias de transmissão da COVID-19, que podem impactar em nossas vidas, e nas novas vidas trazidas ao mundo pelas mãos destes profissionais cotidianamente. Será que é possível transmissão sexual do SARS-CoV-2?
            O que sabemos e vale esta reflexão passa pelo conhecimento de que a Enzima Conversora de Angiotensina II (ECA2) parece ser usada pelo vírus SARS-CoV-2 como um receptor para entrar nas células. Esta enzima está presente em células epiteliais intestinais, incluindo as células da mucosa retal e da mucosa oral, o que significa que em um indivíduo assintomático e infectado, práticas sexuais oral-anal e vice-versa, em tese poderiam transmitir a infecção viral. Para irmos mais além, indagamos: e a mucosa vaginal, será que que possui ECA2? Seria uma porta de entrada ou de possível transmissão do SARS-CoV-2?
            Essas indagações ainda pairam no universo científico, mas já podemos ler sem rota de transmissão concreta descrita da literatura, a existência de recém-nascidos infectados, transmissão vertical? Parto por cesariana? Mais como ocorreu? Nesta linha de raciocínio, Scorzolini et al (2020) pesquisou a presença de SARS-CoV-2 em fluidos vaginais de mulheres sem nenhuma evidência de infecção genital, mas com pneumonia, admitida em uma Unidade de Terapia Intensiva em Wuhan, China, no período de 4 a 24 de fevereiro de 2020. Para surpresa dos pesquisadores, uma mulher mesmo em uso de antirretroviral, teve resultado de PCR para SARS-CoV-2 positivo em seu fluido vaginal nos dias 5 e 20 após o início dos sintomas, provando a existência ainda que pontual de uma contaminação dos fluidos vaginais. A exemplo do que ocorre com fezes e urina, onde o vírus é eliminado depois de muitos dias do início da infecção, quando a rigor na reação de PCR para SARS-CoV-2, já não mais é possível encontrar nas vias aéreas superiores a presença viral.
            Embora a transmissão de SARS-CoV-2 através da secreção genital ainda não tenha sido estabelecida e os resultados de publicações científicas sejam limitados, temos indícios baseados em dados laboratoriais de detecção viral, que podem embasar a indicação de cesarianas para reduzir o risco de transmissão vertical no momento do parto. E sabemos obviamente que mais investigações científicas são necessárias para entender as implicações clínicas e epidemiológicas da COVID-19.
            Cientes das nossas responsabilidades, fica a atenção da equipe Euroexame, sempre preocupada em partilhar atualizações, com este profissional tão atento à vida e ao nascimento. E aos demais Ginecologistas, atenção a sua atividade laboral e sua relevante contribuição para informar os pacientes sobre a existência desta hipótese.

Leitura recomendada:

Sexual transmission of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2): A new possible route of infection?J Am Acad Dermatol. 2020 Apr 9. pii: S0190-9622(20)30521-1. doi: 10.1016/j.jaad.2020.03.098. [Epub ahead of print]

-Scorzolini L1Corpolongo A1Castilletti C1Lalle E1Mariano A1Nicastri E1. Comment of the potential risks of sexual and vertical transmission of Covid-19 infection. Clin Infect Dis. 2020 Apr 16. pii: ciaa445. doi: 10.1093/cid/ciaa445. [Epub ahead of print]

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Descobrindo a estreita relação entre a microbiota intestinal e vaginal

Na última década frases de grande impacto sobre a relação entre a microbiota intestinal e vaginal têm chamado atenção em trechos de artigos científicos publicados em revistas de alto impacto sugerindo a existência da microbiota intestinal como reservatório da microbiota vaginal para uma grande quantidade de micro-organismos (REED et al, 2000; AILA et al, 2011; WIJGERT et al, 2014; CASTRO et al, 2015; JANDHYALA et al, 2015; GONÇALVES et al, 2016; SOBEL, 2016; KANG et al, 2017; YADAV, VERMA, CHAUHAN, 2017).


            Fazendo uma busca mais refinada na literatura é possível encontrar diversos artigos, que corroboram com o fato de que esta hipótese é verdadeira (ANTONIO et al, 2005; EL AILA et al, 2009; MARRAZZO et al, 2009; EL AILA et al, 2011; GUSTAFSSON et al, 2011; DOBRUT et al, 2018). Um marco histórico precisa ser ressaltado, um artigo intitulado “RECURRENT VAGINAL CANDIDIASIS, IMPORTANCE OF AN RESERVOIR”, dos autores MILES, OLSEN AND ROGERS, publicado em 1977, no Journal America Med. Association (JAMA), cujo fator de impacto é 51.273 (2018), jornal este de relevância mundial para a ciência até hoje.
            Este trabalho descreve pela primeira vez a presença de Candida spp. isoladas de ambos os sítios anatômicos de um mesmo paciente, vagina e reto. Na publicação essa coexistência do mesmo micro-organismo foi descrita com cem por cento de correlação positiva para a presença de Candida spp. em ambos os locais, e os autores referem que estes resultados foram encontrados em 47% dos 98 pacientes arrolados na pesquisa, todos estes pacientes apresentaram cultura positiva em swabs vaginal e retal. Embora a cultura de fungos, à luz do conhecimento atual apenas identifique o gênero Candida, necessitando de mais testes e metodologias laboratoriais para o identificar a espécie fúngicas exata, é inegável a fantástica ideia científica e indubitavelmente um grande marco para o diagnóstico laboratorial disponível na época. Esse feito é tão importante que atualmente, cerca de quatro décadas depois, ele continua a inspirar pesquisadores do mundo todo a provar esta hipótese com as metodologias usuais.
            Na era do sequenciamento de terceira geração (NGS ou NextGENe), e do sequenciamento das microbiotas de vários sítios anatômicos e da identificação precisa de inúmeros micro-organismos, sem falarmos da possibilidade do emprego de técnicas e metodologias atuais como o FINGERPRINT, é perfeitamente plausível comprovar a hipótese de qual é a origem da Candida vaginal de um paciente, será de fato igual a intestinal?
            Nesse universo de tantas possibilidades diagnósticas, para que serve e o que é um FINGERPRINT? É um conjunto de técnicas moleculares que quando combinadas possuem muitas aplicações na ciência, sendo a mais importante delas permitir a identificação de micro-organismos homólogos que habitem sítios anatômicos distintos, através do DNA.
            À luz do emprego de Fingerprint e técnicas associadas, pelo menos duas publicações em revistas de indexação internacional relevantes validam e ratificam a hipótese, Abdullah El Aila et al (BMC Infectious Diseases, 2009) e Marrazzo et al (J Infect Dis, 2009), ambos avaliaram homologia de espécies de Lactobacillus spp. de origem vaginal e retal, e concluíram após o emprego da metodologia, que se tratava do mesmo micro-organismo, confirmando que a reserva vaginal de fato é o reto (ou intestino).
            Diante de comprovações científicas reais não podemos negligenciar conhecimentos já evidentes e dos quais não devemos esquecer, se quisermos manejo clínico eficiente e pacientes tratados que evitem disseminação e compartilhamento de micro-organismos, que cada vez mais estão associados em biofilmes polimicrobianos refratários a tratamento medicamentoso usual e recomendado em guidelines, precisamos enxergar diagnóstico laboratorial eficiente e nos conscientizamos que se faz necessário empregar novas estratégias combinadas, como ações farmacológicas e não farmacológicas que de fato resultem em eficiência terapêutica. Além de considerar a coexistência e sobreposição de patologias antes impensadas como de aparecimento conjunto.




Para não esquecer e praticar:


         Candida spp. causando CVV tem como reservatório o reto, não podemos ignorar a avaliação intestinal de pacientes recorrentes;
         A boca também é um reservatório extravaginal importante;
         Sexo oral, anal e com participação de dígitos, ou modalidades sexuais combinadas desprotegidas ou com múltiplos parceiros disseminam bactérias causadoras de vaginose bacteriana (VB) e promovem compartilhamento de espécies de Candida entre indivíduos;
         Casais homossexuais e heterossexuais monogâmicos ou não, compartilham microbiota entre parceiros e entre sítios anatômicos;
         O reto além de ser reservatório de Lactobacillus spp. também é reservatório de outras bactérias que causam VB e de Candida spp.
         E Lactobacillus crispatus é a principal espécie bacteriana predominante na vagina e reto em indivíduos saudáveis.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019



A Microbiota vaginal e sua relação com a saúde reprodutiva e ginecológica para a construção de um ecossistema vaginal saudável





A microbiota vaginal (MBV) tem um papel importante na prevenção da colonização por organismos patogênicos, incluindo agentes infecciosos do trato urinário e causadores de infecções sexualmente transmissíveis (IST), e atua na manutenção da saúde reprodutiva e ginecológica da mulher (MARTIN, 2012).
A alteração da microbiota vaginal é afetada por fatores internos e externos, incluindo mudanças hormonais (estrogênio), menstruação, microbiota intestinal (pela proximidade do reto), uso de produtos de higiene íntima, interação sexual e uso de contraceptivos (REID, 2018). Dentre estes fatores, os hormonais representam uma forte influência na MBV, fazendo com que ocorram diferenças nessa microbiota em mulheres em pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa (BROTMAN et al, 2014).
            Por essa razão, merece especial atenção a influência do hormônio estrogênio, que contribui para a maturação do epitélio vaginal através da deposição de glicogênio. O glicogênio é metabolizado pela comunidade bacteriana endógena presente nesta microbiota, para produzir ácidos orgânicos, principalmente ácido lático, que protege o trato genital (MARTIN, 2012).
            Estudos mostram que a maior dificuldade no estudo da microbiota vaginal é a técnica empregada, pois 90 % das espécies microbianas principais que compõem a MBV, não são cultiváveis em laboratório (AMANN, LUDWIG & SCHLEIFER, 1995), e essa identificação só pode ser realizada empregando técnicas moleculares, que incluem Sequenciamento Sanger da região 16S rRNA de colônias bacterianas, T-RFLP, qPCR e Sequenciamento de terceira geração (NGS) (PETROVA et al, 2015).
            A classificação mais aceita da composição da microbiota vaginal, agrupa os micro-organismos principais encontrados em cinco categorias referidas como Community State Types (CST), que estão distribuídas em: CST I (dominada por Lactobacillus crispatus), CST II (por Lactobacillus gasseri), CST III (por Lactobacillus iners), CST IV-A (possui proporções menores de Lactobacillus spp. e altas proporções de micro-organismos anaeróbios, pertencente ao gênero Anaerococcus, Peptoniphilus, Prevotella e Steptococcus; e espécies que podem estar associadas a infecções como Gardnerella vaginalis ou Mobiluncus spp.), CST IV-B (reduzida quantidade de Lactobacillus spp. e proporções elevadas de Atopobium vaginae, Megasphaera sp., Clostridiales e BVAB2 -Bacterial Vaginosis–Associated Bacteria – BVAB, entre outras espécies que causam vaginose bacteriana) (RAVEL et al, 2011; GAJER et al., 2012; BROTMAN et al., 2014; MITRA et al., 2016.).
Embora existam alguns outros micro-organismos presentes na microbiota vaginal como, por exemplo, bactérias anaeróbias, os micro-organismos predominantes são os Lactobacillus spp., pelo menos em cerca de 70 % das mulheres. Dentre estes micro-organismos podemos destacar Lactobacillus crispatus L. gasseri, L. iners e L. jensenii, que aparecem com maior predomínio, entretanto por vezes surgem também L. salivarius e L. vaginalis. Além destes, ainda podemos destacar os Lactobacillus provenientes do trato gastrointestinal como o Lactobacillus rhamnosus, L. casei e L. plantarum, uma vez que o intestino funciona como reservatório desses micro-organismos, que acabam por acessar o trato genital inferior através da região perianal adjacente (CASTRO et al, 2015; GONÇALVES et al, 2016).

A espécie Lactobacillus crispatus representa aproximadamente 40 % de todos as espécies de Lactobacillus da MBV saudável encontrada em mulheres de diversas nacionalidades (XU et al, 2018), e a sua colonização vaginal guarda uma estreita relação como o reto, onde esta espécie é encontrada em abundância nos indivíduos saudáveis (El AILA et al., 2009). Como é um grande produtor de ácido lático, é capaz de inibir a produção do indutor de metaloproteinase da matriz extracelular (MEMPRIN), que por sua vez induz a secreção de metaloproteinase da matriz 8 (MMP-8). O aumento de MMP-8 torna a barreira vaginal mais propensa a infecções genitais e também está ligada ao nascimento prematuro, o que sugere que o ácido lático é um fator importante na proteção contra o parto prematuro e contra a vaginoses bacterianas (BV) (PETROVA et al, 2015).
 Além disso, L. crispatus também pode apresentar efeitos benéficos via imunomodulação, inibindo Candida albicans in vitro, através da expressão de receptores Toll-like (TLR) 2/4, Interleucina 8 (IL-8) e beta-defensina humana 2 e 3, e pela ação do ácido lático produzido. Em conjunto, estes estudos sugerem claramente que a prevalência de L. crispatus na MBV é um indicador de um ecossistema microbiano vaginal saudável, reduzindo também o crescimento de bactérias com E. coli, e consequentemente o risco de BV (PETROVA et al, 2015).
Apesar de todos estes benefícios, a predominância absoluta de L. crispatus na MBV com cerca de 97,5 % pode ser encontrada na Vaginose Citolítica (VC) e necessita de um tratamento específico que reduza essa grande acidez produzida, neste caso com poucos benefícios (XU et al, 2018).
Já a redução do número de Lactobacillus spp. que compõem a microbiota vaginal normal favorece o crescimento das bactérias anaeróbias, levando a uma condição de disbiose vaginal. Esse supercrescimento bacteriano é decorrente da redução na produção de ácido lático pela ausência dos Lactobacillus, e esse quadro de disbiose favorece a infecção por outros patógenos com aumento do risco de infecção por HIV, HPV, Trichomonas vaginalis (MITRA et al, 2016), Gardnerella vaginalis (PETROVA et al, 2015), e outras vaginoses bacterianas (ANDERSON et al, 2004), vaginites aeróbicas, cervicites e IST (KIK et al, 2019).
A avaliação da Microbiota Vaginal e as principais bactérias envolvidas nas BV já é uma realidade na prática clínica de muitos profissionais de saúde de Brasília, através do Painel molecular do Euroexame, denominado “Perfil de vaginose e microbioma vaginal”, que avalia quantitativamente Lactobacillus crispatus, L. gasseri, L. iners, L. jensenii, Atopobium vaginae, Gardnerella vaginalis, BVAB2 (Clostridiales) e Megasphaera tipo 1, além da classificação Community State Types (CST), e permite ao clínico confirmar a presença de vaginoses e/ou vaginites quando associado ao “Painel Molecular de Candida”, ou descartar um diagnóstico, e ainda corrigir ou repor a microbiota vaginal de forma individualizada através do uso de Cápsulas Vaginais (desenvolvidas especialmente pela Farmacotécnica para este exame), que aliadas ao tratamento medicamentoso usual, tem trazido muitos benefícios aos pacientes.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

COMO CONSTRUIR SAÚDE ATRAVÉS DA MICROBIOTA INTESTINAL



O         
O corpo humano é formado por 100 trilhões de micro-organismos simbiontes que vivem em cada indivíduo e compõem sua microbiota corporal. Cerca de 95% de toda essa microbiota está localizada no trato gastrointestinal e forma a microbiota intestinal, que é considerada tão individual quanto a nossa impressão digital, embora grupos bacterianos comuns estejam presentes em todos os indivíduos, mas em proporções distintas (WORLDMICROBIOMEDAY, 2019).
O Microbioma Intestinal é o estudo dos genes dos micro-organismos que vivem no intestino, mas o conjunto de micro-organismos que habitam o intestino é denominado Microbiota Intestinal (LIU, 2016).
                     Atualmente, já existe disponível exames que avaliam através de técnicas laboratoriais moleculares de alta complexidade, o microbioma intestinal e a presença principalmente das bactérias que habitam o intestino, possibilitando uma avaliação precisa da presença de desequilíbrios na microbiota que necessitam de intervenção clínica. Estudos recentes apontam que a relação entre a microbiota intestinal e a saúde estão fortemente associada, pois uma microbiota intestinal saudável é responsável pela saúde geral do indivíduo (JANDHYALA et al., 2015). Razão pela qual é muito importante avaliá-la em alguns momentos da vida e em algumas condições patológicas.
De maneira geral, os indivíduos apresentam composições bacterianas distintas em sua microbiota intestinal, que são definidas geneticamente, e por características individuais e ambientais. Dentre as características ambientais destacamos fatores que desempenham um papel importante na formação da microbiota intestinal normal, tais como: (1) o modo de nascimento (parto vaginal ou cesariana), (2) idade (a microbiota modifica-se no idoso e na criança é definida aos 3 anos), (3) hábitos alimentares, dieta durante a primeira infância (leite materno ou fórmula) e na vida adulta (se é baseada em vegetarianismo ou consumo de carne) e (4) uso de antibióticos, que alteram a microbiota. A longo prazo esses fatores promovem mudanças na microbiota intestinal normal (MORAES et al; 2014; JANDHYALA et al., 2015; MARX, 2015).
Esse conjunto de fatores é muito importante para definir a microbiota intestinal inicialmente formada que é chamada de Microbiota Residente (permanente, intermitente ou comensal) que nos acompanha por toda a vida, e posteriormente também é relevante para a modulação da chamada Microbiota Transitória ou temporária, que compete com a microbiota residente e é eliminada, entretanto sua modulação terapêutica pode melhorar a microbiota a residente.
Além de todas estas questões, a correria diária faz com que o consumo de alimentos processados, bem como ricos em gordura animal e açúcares, sejam cada vez mais frequentes, reduzindo a chamada “alimentação saudável”, se associarmos a estes fatores condições contínuas de estresse e falta de atividade física, a um prazo curto ou moderado, observaremos reflexos em nosso corpo, com o aparecimento de doenças refletindo as mudanças alimentares que causam disbiose intestinal.
 O desequilíbrio da microbiota intestinal ou desbalanço é chamado de DISBIOSE, condição que pode estar associada a várias doenças e pode ser detectada por exames laboratoriais, como os de avaliação do Microbioma Intestinal (www.euroexame.com.br/exames/moleculares). Uma vez identificado esse desequilíbrio pode ser tratado individualmente, restabelecendo através de alimentação saudável e emprego de suplementos prebióticos e probióticos, que em conjunto com outras estratégias de saúde (terapias de suporte, suplementares, medicina integrativa, ortomolecular, dentre outros), podem reestabelecem a saúde do indivíduo, auxiliando o médico no diagnóstico e no tratamento de acordo com sua formação e convicção clínica do tratamento mais adequado para seu paciente.

          Indicações clínicas para realização do exame de Microbioma Intestinal
- Avaliação após tratamento da disbiose com dieta, complexos homeopáticos, probióticos e organoterápicos
- Avaliação do estado nutricional do paciente e hipovitaminoses
- Envelhecimento
- Avaliação do estado imunitário do hospedeiro
- Uso indiscriminado de antibióticos e anti-inflamatórios
- Uso crônico de inibidores da bomba de prótons – alteram o pH do estomago o qual tem que ser ácido. Ex.: omeprazol
- Alergias alimentares
- Uso prolongado de laxantes
- Doenças consumptivas (câncer e AIDS)
- Disfunções hepatopancreáticas (Diabetes)
- Doenças gastrintestinais e associações
- Estresse
- Avaliação candidíase e vaginoses graves e crônicas, infecções urinárias recorrentes (reserva intestinal)
- depressão, ansiedade, síndrome do Pânico e outros transtornos psíquicos tendo em vista que 90% da serotonina e 50% da dopamina do organismo são produzidas pelo intestino que se comunica com o cérebro pelo sistema nervoso entérico.

Benefícios do Exame
- Identificação do Índice de Disbiose Intestinal
- Quantificação e/ou classificação dos principais filos bacterianos presentes no intestino, Firmicutes e Bacteroidetes
- Identificação de bactérias marcadoras de saúde intestinal
- Correção sob medida do estado intestinal do paciente


sexta-feira, 17 de maio de 2019

Como funcionam os Probióticos


Como funcionam os probióticos?

            Os Probióticos são micro-organismos vivos que quando administrados em quantidades adequadas conferem benefícios à saúde do hospedeiro (FAO/WHO, 2001). E esse conceito não deve ser confundido com outro termo cunhado mais recentemente, os Prebióticos, que são definidos como ingredientes seletivamente fermentados, que resultam em alterações específicas na composição e/ou atividade da microbiota intestinal, proporcionando benefícios para a saúde do hospedeiro (Gibson et al, 2011).
            Em todo o mundo nos últimos anos, cresce o consumo de alimentos funcionais que possuem em sua composição cerca de 60% de probióticos e prebióticos, e é inegável a sua aplicação na indústria alimentícia, farmacêutica e nutracêutica (produto nutricional com valor terapêutico). Por outro lado, somos bombardeados o tempo inteiro com a difusão do emprego dos probióticos para garantir “saúde”, mas será mesmo que essa associação já foi comprovada pela ciência?
            Revisando a literatura encontramos probióticos empregados como coadjuvantes de tratamento de Candidíase e modulação da microbiota intestinal, principalmente para prevenir câncer colorretal e como coadjuvante de tratamento de outras doenças gastrointestinais. E o que dizem estes estudos associados à candidíase?
O uso de Probióticos empregado para reduzir as infecções por Candida spp. nas superfícies mucosas, onde tem sido amplamente estudado em ensaios clínicos, contra infecções urogenitais e gastrointestinais (Hu et al, 2013; Kovachev e Vatcheva-Dobrevska, 2015; Roy et al, 2014), e também contra infecções orais (Ishikawa et al, 2014; Kraft-Bodi et al, 2015; Li et al, 2014; Matsubara et al, 2012), indicaram que vários probióticos são seguros e eficazes como agentes antifúngicos para a profilaxia, ou como adjuvantes no tratamento da candidíase da mucosa.
            Na candidíase, os efeitos fungicidas ou fungistáticos subjacentes dos probióticos podem envolver: 1) a produção de metabólitos secundários com atividade antimicrobiana (Ceresa et al, 2015; Vilela et al, 2015; Zakaria Gomaa, 2013), tais como: a produção de ácidos orgânicos – lático (com ação antivirais e imunomodulatórias) (Tachedjian et al, 2017) e acético, bacteriocinas, biossurfactantes, hidrocarbonetos, peróxido de hidrogênio e moléculas de coagregação (Sgibnev e Kremleva, 2015; Kovachev, 2018; Fuochi et al, 2018); 2) a competição por nutrientes e sítios de adesão (aderem aos receptores celulares epiteliais e formam uma barreira física impedindo a adesão de patógenos), e 3) a estimulação do sistema imunológico (Fidan et al, 2009).
            Outros estudos também mostraram que as bactérias probióticas têm a capacidade de suprimir a formação de biofilme por C. albicans em várias superfícies, como o silicone e biomateriais relacionados (Ceresa et al, 2015; Murzyn et al, 2010; Orsi et al, 2014; Rodrigues et al, 2006), principalmente induzindo a regulação negativa de genes associados à formação de biofilme de Candida, como PHR1 e ALS12 em C. albicans (Kohler et al. 2012), e EPA6 e YAK1 em Candida glabrata (Chew et al. 2015).
            Para além de sua ação na candidíase, e lembrando que a reserva das espécies de Candida é sempre oriunda do intestino, os probiótico também apresentam várias ações combinadas no intestino. Dentre elas podemos destacar: 1) melhoram a barreira intestinal através do aumento da produção de mucina e de IgA secretória para a mucosa intestinal, que auxiliam na distribuição adequadas das chamadas Tight Junctions (TJ) responsáveis pela integridade da mucosa, e também regulam o balanço de proliferação, diferenciação e apoptose dos colonócitos; 2) promovem a competição por locais de adesão e nutrientes, selecionando bactérias benéficas que secretam compostos com atividade antimicrobiana, e consequentemente reduzem as bactérias patogênicas; 3) possuem a capacidade de ligar-se e degradar compostos carcinogênicos intestinais; 4) aumentam a produção de compostos anticarcinogênicos como ácidos graxos de cadeias curtas, aumentando butirato, acetato e propionato, que reduzem a inflamação e o pH; 5) alteram o metabolismo na microbiota intestinal; 5) promovem imunomodulação que também reduz o processo inflamatório produzido pela disbiose, entre outros efeitos.
            Com todos os estudos disponíveis na literatura podemos claramente afirmar que os probiótico induzem efeitos benéficos e direcionados, associa-los como adjuvantes aos tratamentos usuais é um grande passo e uma quebra de paradigma na medicina, considerar que eles são uma “solução mágica” para a cura destas patologias é irreal, mas tornam-se ferramentas poderosas quando bem aplicadas em benefício da saúde, associadas é óbvio a uma boa alimentação, a mudanças de hábitos e comportamentos sexuais, e quando necessário associados às terapias antimicrobianas disponíveis ou ao diagnóstico laboratorial para eventuais correções disbióticas para o estado eubiótico tão compatível com a saúde.

Leitura recomendada:
Matsubara VHWang YBandara HMMayer MPSamaranayake LP. Probiotic lactobacilli inhibit early stages of Candida albicans biofilm development by reducing their growth, cell adhesion, and filamentation. Appl Microbiol Biotechnol. 2016 Jul;100(14):6415-26. doi: 10.1007/s00253-016-7527-3. Epub 2016 Apr 18.

Dos Reis SAda Conceição LLSiqueira NPRosa DDda Silva LLPeluzio MD. Review of the mechanisms of probiotic actions in the prevention of colorectal cancer. Nutr Res. 2017 Jan;37:1-19. doi: 10.1016/j.nutres.2016.11.009. Epub 2016 Nov 23.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Biofilme


Biofilme é um grupo organizado de micro-organismos que vivem dentro de uma matriz de substâncias poliméricas produzida pelos próprios micro-organismos, e que é capaz de se ligar a várias superfícies, sejam elas bióticas ou abióticas. O biofilme pode se desenvolver em múltiplas camadas, e quanto maior é a sua complexidade e onipresença, mais difícil é sua erradicação. Nas doenças infecciosas, o biofilme tem sido considerado o reservatório de micro-organismos levando a infecções persistentes, muitas vezes refratárias aos tratamentos