A Vaginite Bacteriana (VB) é a infecção vaginal polimicrobiana mais comum em mulheres em idade reprodutiva, geralmente causada por bactérias anaeróbias, e é a causa de vários sintomas, como: corrimento vaginal homogêneo e fétido, supercrescimento bacteriano e aumento da produção de aminas (putrescinas, cadaverinas e trimetilamina) que contribuem para um pH vaginal mais alto e a presença de clue cells (MACHADO & CERCA, 2015; KALIA, SINGH & KAUR, 2020).
Entre as espécies microbianas que causam VB, merece papel de destaque a Gardnerella vaginalis, que é a bactéria anaeróbia mais estudada, e também considerada a principal espécie envolvida no desenvolvimento da infecção (MACHADO & CERCA, 2015).
Além
de representar a infecção mais prevalente nas mulheres, a VB tem sido associada
a doenças com graves consequências para a saúde pública, incluindo: doença
inflamatória pélvica, infecções pós-operatórias, aquisição e transmissão do HIV
e outras ISTs, nascimento prematuro, aborto (KUON et al, 2017) ,infecções
placentárias e no fluído amniótico (ROBINSON et al 2019), e vários resultados
adversos na gravidez (MACHADO & CERCA, 2015).
Considerando a prevalência da VB e a Gardnerella vaginalis com o patógeno
mais relevante da infecção, apresentamos a seguir algumas descobertas
científicas recentes sobre esta bactéria.
G. vaginalis é o único anaeróbio que
exibe os seguintes fatores de virulência: capacidade de adesão às células
epiteliais vaginais, capacidade de produzir biofilmes e atividade citotóxica
(citolisinas/formação de poros), além de permitir quando em biofilme a
incorporação de outros anaeróbios, o que torna a VB polimicrobiana, e de
secretar outros fatores de virulência como as enzimas: fosfolipase, protease e
sialidases, além da citolisina mencionada acima (MACHADO & CERCA, 2015;
ROBINSON et al 2019).
A
capacidade de adesão às células do epitélio vaginal está associada a produção
da enzima sialidade, que promove a degradação do muco, sem promover inflamação
histológica evidente, o que causa uma esfoliação epitelial e a formação das
chamadas clue cells, que nada mais
são do que células epiteliais vaginais, impregnadas de G. vaginalis em sua superfície (KALIA, SINGH & KAUR, 2020).
Além
disso, as sialidases promovem a degradação do muco vaginal tornando sua
consistência fluida que é característica na VB, o que contribui para o aumento
dos riscos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e ascendentes
(ROBINSON et al 2019). Em grávidas infecção uterina ascendente e nascimento
pré-termo podem ocorrer com G. vaginalis
e outros patógenos potenciais, bem como infecção recorrente do trato urinário
causada por Escherichia coli (KALIA,
SINGH & KAUR, 2020).
Considerando
que o tampão mucoso ou rolha Schroeder,
nada mais é do que muco e estaria sujeito aos efeitos da sialidade produzida
pela G. vaginalis, isso poderia
explicar em parte, o início do mecanismo fisiopatogênico de nascimento
pré-termo, abortamento de repetição (KUON et al, 2017), infertilidade,
infecções placentárias e no fluído amniótico (ROBINSON et al 2019), e várias complicações
na gravidez e parto (MACHADO & CERCA, 2015).
Outra ponderação sobre mecanismo
fisiopatogênico de que infecções como VB causada por G. vaginalis pode causar abortamento, seria o fato de que toda
infecção ativa, secreta citocinas e quimiocinas, que recrutam células do
sistema imune inato (macrófagos, células dendríticas e células NK), que
amplificam a resposta inflamatória local, rompendo o equilíbrio imunitário, que
é essencial para implantação, placentação e transformação dos vasos sanguíneos,
que possibilitam o seguimento da gestação (KUON et al, 2017).
Continuando
com os fatores de virulência presentes na G.
vaginalis, outra enzima relevante é a citolisina, capaz de produzir a
formação de poros nas células do epitélio vaginal, um efeito citotóxico que
promove a invasão do tecido, e consequentemente o estabelecimento da infecção
(ROBINSON et al 2019).
Uma vez que a bactéria se fixa e invade à
mucosa do epitélio vaginal, G. vaginalis
inicia seu processo de replicação na mucosa e a formação de um biofilme fino,
que permite a fixação de outras espécies.
Esta formação de biofilme aumenta a resistência de G. vaginalis contra bactérias benéficas da microbiota vaginal, os Lactobacillus spp., e aumenta sua
resistência à ação antimicrobiana (KALIA, SINGH & KAUR, 2020),
principalmente pela matriz produzida pelo biofilme microbiano.
Em
conjunto essas etapas podem explicar o mecanismo patogênico empregado pela G. vaginalis para causar a VB, e mais
ainda pode alertar para a necessidade de introduzir na prática clínica
ginecológica rotineira a necessidade de investigar a presença, ainda que
sugestiva através de um GRAM DE SECREÇÃO VAGINAL, de infecções causadas por Gardnerella vaginalis em pacientes
jovens, com problemas de infertilidade, grávidas, pós-menopausadas e em idade
reprodutiva, uma vez que parte desta infecções podem ser assintomáticas e não
fecham a tríade clássica dos critérios de Amsel, tão corriqueiramente
empregados.
Ressalto
ainda, a importância de sempre que possível ampliar o diagnóstico da VB para
análises laboratoriais moleculares (PERFIL DE VAGINOSE E
MICROBIOMA VAGINAL), considerando sempre a capacidade incorporativa
de novas bactérias ao biofilme que a G.
vaginalis possui, destacando a necessidade de investigar a presença de
bactérias frequentes na VB como Atopobium
vaginae, entre outras bactérias anaeróbias, o que pode tornar a infecção de
difícil resolutividade quando antimicrobianos são usado indiscriminadamente e
sem direcionamento para o perfil de resistência bacteriano presente na
infecção, levando em consideração o pouco arsenal terapêutico disponível para
tratamento da VB.
Referências
Kalia
N., Singh J., Kaur M.
Microbiota in vaginal health and pathogenesis of recurrent vulvovaginal
infections: a critical review. Ann Clin Microbiol Antimicrob. 2020 Jan
28;19(1):5. doi: 10.1186/s12941-020-0347-4.
Kuon RJ, Togawa R, Vomstein K, Weber M, Goeggl T, Strowitzki T, Markert UR, Zimmermann S, Daniel V, Dalpke AH, Toth
B. Higher prevalence of colonization with Gardnerella vaginalis and
gram-negative anaerobes in patients with recurrent miscarriage and elevated peripheral
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Machado A, Cerca
N. Influence of Biofilm Formation by Gardnerella vaginalis and Other Anaerobes
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Robinson
LS, Schwebke J, Lewis WG, Lewis AL.
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sialidase activity in the vaginal bacterium Gardnerella vaginalis. J Biol
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10.1074/jbc.RA118.006221. Epub 2019 Feb 5.